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Get Low: Robert Duvall é homem das antigas

Em algum ponto do Tenessee, há um século e tanto de distância, um senhor, recluso em suas terras, vivendo num regime de subsistência e em completo insulamento físico e emocional pelos últimos quarenta anos, acabou se transformando numa espécie de lenda urbana na região. Os feitos escabrosos que guardava no passado eram mote de anedotas e conversas entre os moradores, a tal ponto que ninguém mais sabia precisar aonde terminavam os fatos e começavam as especulações. Para todos os efeitos, o velho Felix Bush era um sujeito a se evitar: um octogenário taciturno, de cabelos e barbas selvagens como capim, capaz de nocautear homens no auge do preparo físico e de receber, com rifle em punho, os que se aventurassem a transpassar sua propriedade (em geral, garotos tentando atestar a coragem para os coleguinhas).

Eis que, certo dia, Bush resolve encomendar seu enterro. Até aí, nada de mais: a morte é inevitável, e sendo tão absorto em si mesmo, não teria parentes, amigos ou conhecidos que cuidassem disso por ele quando a hora chegasse. Mas a intenção de Bush, como deixa claro para o dono da funerária e seu assistente, é fazer do funeral uma celebração – e enquanto ele ainda está vivo! Ele pretende organizar um grande evento, para que compareçam todos os que um dia já ouviram falar nele. Na ocasião, promete saciar a curiosidade de todos: vai expiar os pecados em público e delinear o que há de real e de inventado nos boatos a seu respeito. A ironia clara é que, durante os preparativos para o funeral, Bush esboça, pela primeira vez no que parece uma eternidade, sinais de vida – e mesmo que o espectador de “Get Low” o conheça quando já está prestes a irromper do casulo, não custa a perceber que um tempo inefável se passou desde que o velhinho se permitiu um último sorriso.

De fato, quando Felix tem sua primeira reação positiva, os músculos da face de Robert Duvall, que o interpreta com a competência que nem sempre tem a chance de demonstrar, parecem ranger de tão enrijecidos. Mas, nesse caso, a boa atuação e a premissa incomum – um homem em busca de redenção que tenta literalmente reescrever o próprio epitáfio – não basta para que o filme se sustente como um programa interessante. O roteiro é superficial nas implicações de vida e morte que poderia propor, e a decisão de revelar, pouco a pouco, porquê o protagonista se penitencia com tamanha severidade apenas dilui o impacto do que será esclarecido no final. Essa opção também induz a platéia a formular suas hipóteses com base nas peças do quebra cabeça que vão se somando – mas não se trata de um mistério, e sim de um drama de personagem. Logo, o desenvolvimento do que realmente interessa fica comprometido, e tem-se a impressão de que as partes de Felix não o constituem como um todo.

O resultado também é um tanto afetado pela escalação de Bill Murray como o agente funerário: considerando que o personagem balanceia o enredo com leveza e profere uma sucessão de tiradas cômicas, era de se esperar que ele cumprisse as exigências. Murray, porém, tem uma persona forte que não consegue camuflar, e soa deslocado – além de excessivamente contemporâneo – num filme de época, por melhor trajado que esteja com os figurinos (lindos, aliás). Perto do notável estudo sobre a solidão e o contraste entre o ontem e o agora que poderia ter sido, “Get Low” surge como um desperdício de boas ideias num longa apenas razoável e certamente imemorável.

.:. Get Low (Idem, 2010, dirigido por Aaron Schneider). Cotação: C-

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