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Meu Amigo Charlie Brown

Tirei esse final de semana para ir ao teatro. Assisti em duas ocasiões, na Sexta e no Sábado, ao fantástico “O Despertar da Primavera”, sobre o qual comentei no post passado, e neste Domingo compareci à estreia para o público de “Meu Amigo Charlie Brown”. Trata-se de mais uma importação de musical da Broadway para o Brasil, com canções traduzidas e interpretadas por elenco local. Como o título indica, foi baseado nas tirinhas “Peanuts”, do cartunista Charles Schulz, que você certamente conhece. “Peanuts” fez fama por trazer personagens infantis experimentando crises existenciais, discutindo questões filosóficas e indagando o propósito da vida. Ao mesmo tempo, comportam-se exatamente como crianças deveriam se comportar, participando de brincadeiras, brigando por banalidades e até chupando o dedo! Alguns dos personagens se tornariam ícones, como Snoopy, o cachorro beagle que vive num mundo de fantasias; Linus, o garotinho que não desgruda do cobertor; e o próprio personagem-título.

Dentre todas as criações de Schulz, Charlie Brown deve ser o mais parecido comigo. Ele é meio melancólico, tímido e introspectivo. Não é o mais bonito da turma, nem notável nos esportes, tampouco um gênio da matemática. Tem seu grupinho de amigos com quem consegue se sentir confortável, mas ao mesmo tempo tem medo de não agradá-los o suficiente e de perder a amizade. Tem bom coração, mas uma dificuldade tremenda de se expressar. É claro que eu só fui descobrir que também sou assim muito depois dos meus cinco anos, a idade de Charlie Brown. Percebi que fico amigo ou não fico nada, e que preferia ser uma mosca quando me encontro numa sala cheia de pessoas que não conheço. Com o tempo, fui me forçando a lidar com essas situações até chegar ao ponto de – quase – encará-las numa boa. E acabei descobrindo que sou muito bom em uma coisa ou outra (em escrever, por exemplo). Charlie Brown nunca virá a fazer essa descoberta, porque ficou imortalizado na figura de um guri calvo de cabeça chata. Mas por já ter estado nessa mesma posição, tenho um carinho especial por ele.

Por isso insisto que este musical não deveria ter sido vendido como infantil. Tinha uma porção de crianças na sessão de hoje, e custou pouco para as mais pequenas perderem o foco e fazerem barulho inconveniente (ainda que o espetáculo não dure nem uma hora e meia). As questões são abordadas com o mesmo sarcasmo e inteligência das tirinhas, e direcionadas à uma plateia mais madura, com bagagem cultural para compreender as referências, e emocional para se identificar com os conflitos apresentados. Dito isso, dá para entender porque confundiram o apelo: o cenário é chamativo para as crianças, saturado de cores e lotado de objetos cenográficos (a maioria deles bidimensional), que deslizam para dentro e fora do palco. Me lembrou a composição daquele teatrinho do finado Parque da Mônica, onde a turma fazia números musicais sobre cada um de seus membros. Obviamente, este aqui tem muito mais requintes, complexidade nas coreografias e uso funcional da iluminação. O esquema, porém, é similar: entre pequenos episódios, que ajudam a firmar a personalidade gritante dos personagens, cada qual tem um número próprio para mostrar a que veio. As contravenções são isoladas, mas a trama é coesa, leve e até otimista em sua conclusão.

Para fazer parte do musical, foram selecionados seis componentes da tirinha: Charlie, Snoopy, Linus, Lucy, Sally e Schroeder. Todos são interpretados por adultos, caracterizados por figurinos bem reconhecíveis, e inspiradíssimos na função. De fato, faz tempo que não vejo nos palcos um elenco tão homogeneamente competente e envolvido na proposta. Já conhecia Fred Silveira (que manda muito como Snoopy!) e Paula Capovilla (como Lucy, a menina que incomoda muita gente), e fiquei feliz em constatar que os demais estão no mesmo nível de profissionalismo. Ajuda também que as letras tenham sido maravilhosamente traduzidas – ou talvez eu tenha propensão a aprovar porque não tive tanto contato com o material original. A montagem que está sendo transposta é a definitiva, que chegou à Broadway em 99 e rendeu os Tonys de Coadjuvantes para Roger Bart e Kristin Chenoweth (mas variações são encenadas nos Estados Unidos desde os anos 60). A tradução e adaptação do texto ficou por conta de Mariana Elisabetsky, a intérprete de Sally Brown. A produção é caprichada, dispondo ainda de recursos audiovisuais. Como resultado temos um programa pra lá de agradável, muito bem ensaiado, e surpreendentemente intimista, sincero, nostálgico e pessoal.

.:. Meu Amigo Charlie Brown. 75 minutos. Sábados e Domingos às 16h. Teatro Shopping Frei Caneca, Rua Frei Caneca, 569 – 6º andar. 4003-1212. R$ 50,00 (inteira) e R$ 25,00 (meia). Apresentando-se na bilheteria uma lata de leite em pó paga-se meia entrada. De 13 de março a 27 de junho. Cotação: A+

Categorias:Teatro
  1. 15 março 2010 às 4:48 pm

    que post bonito, Louis. seu segundo parágrafo é um dos textos mais fofos que já li aqui em seu blog; até me emotivei – o que sempre me aconteceu com Charlie Brown, aliás.

    que curiosa que fiquei com essa peça. vou me esforçar pra ver…

    🙂

    • 15 março 2010 às 8:38 pm

      Quéroul, obrigado, tentei ser o mais sincero e transparente possível! 😉 Tenho certeza que você vai ADORAR a peça! Vale dar uma chance! o/

  2. Daniele Dias
    16 março 2010 às 2:48 pm

    O espetáculo é realmente maravilhoso, não percam essa oportunidade de assistir esse grande musical.

  3. Fernanda
    24 março 2010 às 11:58 pm

    Eu vi e achei ENCANTADOR! Me lembrou de muitos detalhes que eu amava nas tirinhas e que o tempo escondeu na minha memória. Vale a pena conferir.

    • 25 março 2010 às 4:49 am

      Senti o mesmo, Fernanda! Ainda hei de rever algumas vezes antes que saiam de cartaz…

  4. 1 maio 2010 às 7:44 pm

    Bacana,

    Eu ainda não assisti o Musical por falta de tempo, mas pretendo assistir o quando antes. É bacana ler postagens com senso crítico, pois mostra total envolvimento do autor com a magia teatral, com os musicais na qual sou fanático.

    Só o Despertar da primavera assisti 8 vezes e esse final de semana tem mais!

    Parabéns!

    • 1 maio 2010 às 7:59 pm

      Gael, então és outro aficcionado pelo Despertar? 🙂 Esse musical se tornou um verdadeiro vício pra mim nos últimos meses e vai ser difícil me despedir dele. Por outro lado, grandes musicais nunca vão parar de surgir – mesmo que venham com toda a simplicidade e modéstia deste Meu Amigo Charlie Brown, que é muito bonitinho e merece ser visto! Que bom que gostou da resenha… Volte sempre ao blog! o/

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