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Recordando Spring Awakening

Não existe ambiente mais competitivo hoje em dia na indústria do entretenimento do que o da Broadway nova-iorquina. Por causa disso, as peças e musicais lançados por lá tem dado de dez nas produções de Cinema e TV. Mesmo quando tentam adaptar um projeto de sucesso para outra mídia – como fez Rob Marshall com o recente “Nine” e anterioramente com “Chicago” -, o resultado nunca é amplamente satisfatório, e perde feio numa comparação com a fonte de inspiração. A cada temporada, novos musicais surgem, trazendo uma trama original ou requentando sucessos antigos (os chamados revivals). E todos almejam o prêmio máximo do teatro, o Tony Award. Mais do que isso, porém, visam a bilheteria, que corresponde, em grande parte, aos turistas de passagem pela metrópole.

Dito isso, poucos novos musicais deixam a sensação de serem realmente novos, e não pastiches de grand guignol. Mesmo os mais consagrados, como “O Fantasma da Ópera”, de Andrew Lloyd Webber, são discutíveis, atacáveis, pendentes ao enfado. Neste ponto, “Spring Awakening” – trazido para o Brasil, com modificações, pela dupla Charles Moeller e Cláudio Botelho, sob o nome “O Despertar da Primavera” – é um dos maiores triunfos do palco contemporâneo. Em cartaz de 2006 a 2009, o musical ressuscita uma controversa peça alemã de 1891, onde um grupo de meninos e meninas lida com a descoberta da sexualidade num ambiente opressor. Por abordar violência doméstica, masturbação, homossexualidade, suicídio e outros tabus em suas dezenas de subtramas, o conteúdo original, escrito por Frank Wedekind, pode ser considerado pesado até nos dias atuais – que dirá na época em que foi lançado! (Os interessados em se contextualizar no período devem ver o brilhante “A Fita Branca”, de Michael Haneke.)

O grande diferencial da versão musical – e a excentricidade que maleou os críticos especializados mais intransigentes – foi uma trilha sonora cuja base é o mais puro rock. Não é novidade colocar os personagens cantando baladas em ritmos que só seriam inventados várias décadas após aquela em que a história se passa (foi o que Baz Luhrmann fez no vigoroso “Moulin Rouge!”, por exemplo). Mas é uma técnica infalível para garantir frescor. De fato, logo num dos primeiros números, quando um grupo de estudantes solta o gogó sobre suas frustrações na aula de latim (tirando microfones do paletó e sendo acompanhados, com baixo e violoncelo, por uma banda sempre visível), não tem quem não se envolva, quem não entre no clima, e quem não pense, com um sorriso no rosto, que nunca viu algo assim antes. E note que, dos musicais originais da Broadway, quase nenhum é bem-sucedido em lançar um álbum de pop e rock da melhor qualidade, que se enquadre ao contexto da peça e que ao mesmo tempo escape dos floreios ultrapassados e das operetas tradicionais.

A montagem original teve a felicidade de contar com jovens atores muito bem escolhidos (na trupe, havia apenas dois adultos, um homem e uma mulher, que se revezavam entre os papeis de autoridade como pais, professores e membros do clero). O trio principal incluía John Gallagher Jr., no papel de Morritz, um rapaz desajustado e incompreendido; Jonathan Groff, como Melchior, o mocinho de boa índole que se desvirtua; e Lea Michele (hoje conhecida como a competitiva Rachel em “Glee”), interpretando Wendla, uma garota curiosa, com inúmeras perguntas de natureza sexual não-respondidas. Todos se entregando corajosamente, com direito a algumas ousadias (Lea e Jonathan protagonizavam cenas de nudez e simulação de sexo). O show tinha ainda uma notável produção, onde se via que o dinheiro foi bem empregado: cenário espetacular – com direito a elevador e a um mezanino ao fundo onde a banda se assentava -, uso eficiente de luz, e palco amplo e reformado (já que todos os atores ficavam em cena o tempo todo, mesmo que sentados na lateral quando os personagens não tinham utilidade).

Ganhou, em 2007, oito dos principais Tony Awards, entre os quais Melhor Musical, Direção (Michael Mayer), Trilha Original (Duncan Sheik e Steven Sater), Libreto (Sater outra vez), Coreografia (Bill T. Jones) e Ator Coadjuvante (Gallagher Jr.). Fala-se muito numa adaptação cinematográfica, mas creio que ainda não haja nada concreto. E mesmo que aconteça, duvido que atinja a mesma voltagem: o que “Spring Awakening” conquistou nos palcos (e que continua conquistando com suas versões estrangeiras, entre as quais a brasileira, que confiro em breve), foi único, incomum e irreproduzível. Foi o resultado de uma combinação de acertos, de problemas e conflitos atemporais sendo resgatados de um material antigo, e de passagens engraçadas e tristes transpostas com uma delicadeza difícil de encontrar por aí. Um espetáculo feito com respeito e ímpeto por pessoas que não subestimam os apreciadores de sua criação.

Deixo abaixo uma apresentação do elenco no “The View”, com uma das minhas canções favoritas do musical. Façam o possível para ignorar a jeca Rosie O’Donnell:

Categorias:Teatro
  1. 25 janeiro 2010 às 9:17 pm

    SACO! Gostaria muito de acompanhar o teatro mais de perto … Irei providenciar isto!

  2. Luísa
    25 janeiro 2010 às 10:38 pm

    Vi o musical no Rio 3 vezes, ficou perfeitoooo!!! Não vi na Broadway como voce, mas muita gente que viu nos dois lugares dizem que a brasileira ficou melhor. Espero que assista quando for pra São Paulo, porque é imperdível também.

    • 26 janeiro 2010 às 12:43 am

      Cleber, deveria! Teatro é bacana e interessante. E o refúgio de muita gente talentosa e apaixonada pelo que faz.

      Luísa, muita gente comenta que essa versão nacional ficou ainda melhor, porque Moeller e Botelho fizeram algumas modificações na transposição. Como os dois sabem o que fazem, confio que as alterações tenham sido pra melhor. Com certeza verei quando chegar em SP! 😉

  3. Eduardo
    26 janeiro 2010 às 1:36 am

    Lendo sua crítica, me arrependo por ter estado em NY em agosto de 2007, e, por estar acompanhado de um grupo, só ter assistido o “O Fantasma da Ópera” e “Mamma Mia”.
    O que você já assitiu por lá, além de “Spring Awakening”?

    • 26 janeiro 2010 às 1:49 am

      Eduardo, só vi Spring dessa vez! 😦 Queria ter visto Wicked, mas os ingressos estavam esgotados, mesmo com antecedência. Esse acabei vendo na montagem londrina depois.

  4. Sonia
    27 janeiro 2010 às 4:38 pm

    Hum… Spring original é sensasional. Já a versão nacional…
    Os atores não chegam aos pés do elenco original. E sempre fico contrangida quando ouço essas versões traduzidas.

    • 27 janeiro 2010 às 6:48 pm

      Sonia, ainda não vi a versão nacional e só escutei trechos de algumas músicas. Não posso julgar por antecipação, mas confio em Moeller e Botelho, os responsáveis pela adaptação (e também pelas traduções). Verei o musical na sua passagem por São Paulo!

  1. 13 março 2010 às 9:09 am

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